Ele estava com aquele tênis amarelo, aquele mesmo que combinava com a camisa em um dos dias mais marcantes para nós dois, ou melhor, vendo pelo ângulo atual, para mim. Ele estava mais velho, mais gordo, usando óculos de grau, uma calça jeans desajeitada meio grande demais para as pernas que um dia foram torneadas. Ele, nitidamente, ainda se acha a azeitona da empadinha, apesar dos cabelos mais brancos e maiores de quem parece não estar se importando com a aparência, de quem parece que se largou.
Nos vimos, nos reencontramos, um dia teria de acontecer, afinal temos amigos em comum e Etéria é um ovo. Tentei não falar com ele, seria talvez doloroso, mas ao vê-lo ali de braços abertos falando alto para todos ouvirem e verem o quanto ele estava bem ao me ver, falei. Não senti o que pensei que sentiria, na verdade me incomodou mais o fato de ele ser tão raso nas formas de socializar, tão igual, tão impessoal, tão chamativo.
Ele foi o amor de uma parte da minha vida, ele foi o único que gritou isso no meu portão, ele foi o maior erro já cometido por mim e por ele mesmo.
Fugi dele a noite inteira, estava nítido ele vindo em minha direção a todo segundo e a todo segundo eu mudando de direção fugindo. Até que em determinado momento, como quem não quer nada, ele encostou na minha cadeira, me empurrou, chamou minha atenção para a presença dele ali. Agi normalmente, ri delicadamente, mostrei que o tinha visto. E mais uma vez, fugi.
Mas Deus sabe de todas as coisas, e em Etéria é assim: se você foge, mas não foge para muito longe, uma hora ou outra a pessoa te encontra. E ele me encontrou. Enquanto meu pensamento divagava a pessoa que ele não era mais, ele me despertou do transe chegando perto rapidamente, sorrateiro para dar o bote. Dali não tinha mais como fugir.
Chegou trajando aquela blusa meio azul/meio cinza, aquela calça larga, aquele sorriso imenso(a única coisa que não mudou), copo de cerveja numa mão, salgadinho na outra, teceu os comentários que achou necessário tecer. Entrou em assuntos que só quem tem muita intimidade entraria, me dissecou. Respondi o que devia, calei quando necessário e dissequei o que queria dele, e ele, como sempre, no ar misterioso (mentiroso) que lhe compete, respondeu todas as perguntas o oposto do que havia respondido para todas as outras pessoas. E então pegou minha cerveja, jogou fora como fazia antes (pois segundo ele estava quente), encheu de novo, me deu o salgado dele, agiu como se nada tivesse acontecido ou mudado entre nós dois.
E assim, se fez presente no meu ângulo de visão até o fim da noite. Fez questão de sentar na minha frente, fez questão de aparecer o suficiente para notar sua presença. Me deu carona para a outra parada da noite, morto de sono, não trocou uma palavra dentro do carro, o que me fez ter que conversar com o outro ocupante do veículo.
Ele morto, sem pique, velho, definitivamente velho, sentado a minha frente, sobrancelha desordenada, ajeitei como fazia, nem sei porque. Naquela determinada hora eu já não sabia mais o que fazer, como fazer ou porque fazer, na verdade ainda não sei porque fiz. Logo depois fui dar tchau para partir para a próxima parada da noite, o abracei como quem abraça um amigo, uma pessoa querida, a quem se tem um carinho incomum e minha boca maior que o universo falou o que talvez não devesse, o que na verdade não queria e mais ainda, o que na verdade nem sabe porque o falou.
Eu: - Tá com sono?
Ele: - Muito.
Eu: - Ia falar uma coisa, mas acho que não devo.
Ele: - Fala, poxa, pode falar.
Eu: - Te botava pra dormir hoje...
Ele riu alto. Muito alto.
Ele: - Foda... tou muito cansado, acordei cedão.
Eu: - Beleza. Tá me dispensando?
Ele: - Claro que não!
Eu: - Beleza, mas saiba que isso que aconteceu hoje nunca mais vai acontecer, vc não vai mais me comer.
Dei um beijo na bochecha e parti para o próximo evento.
Burra? Talvez. Boca maior do universo? Talvez. Mas o que falei foi tão sem sentimento, tão raso para mim, tão sem porque, tão sem vontade. Tão sem.
Me justifiquei para as amigas porque achei que tinha que ter justificativa, mas sabe, não tem. Eu só falei, fiz, e tipo, foda-se. Não romanceei. não pensei que ali estava A oportunidade da minha vida. Eu segui em frente e fiquei com outro em um outro lugar, fui me divertir, viver.
Eu mudei, constatei isso, não o amo mais, constatei também. Ele mudou mais aparentemente do que por dentro, e eu continuo sem saber quem ele é, continuo achando ele mentiroso, dissimulado, continuo sem saber se a verdade é a dita para mim ou para o mundo. E continuo com a sensação de que sou eu quem conheço ele melhor, melhor do que ele me conhece.
Nos vimos, nos reencontramos, um dia teria de acontecer, afinal temos amigos em comum e Etéria é um ovo. Tentei não falar com ele, seria talvez doloroso, mas ao vê-lo ali de braços abertos falando alto para todos ouvirem e verem o quanto ele estava bem ao me ver, falei. Não senti o que pensei que sentiria, na verdade me incomodou mais o fato de ele ser tão raso nas formas de socializar, tão igual, tão impessoal, tão chamativo.
Ele foi o amor de uma parte da minha vida, ele foi o único que gritou isso no meu portão, ele foi o maior erro já cometido por mim e por ele mesmo.
Fugi dele a noite inteira, estava nítido ele vindo em minha direção a todo segundo e a todo segundo eu mudando de direção fugindo. Até que em determinado momento, como quem não quer nada, ele encostou na minha cadeira, me empurrou, chamou minha atenção para a presença dele ali. Agi normalmente, ri delicadamente, mostrei que o tinha visto. E mais uma vez, fugi.
Mas Deus sabe de todas as coisas, e em Etéria é assim: se você foge, mas não foge para muito longe, uma hora ou outra a pessoa te encontra. E ele me encontrou. Enquanto meu pensamento divagava a pessoa que ele não era mais, ele me despertou do transe chegando perto rapidamente, sorrateiro para dar o bote. Dali não tinha mais como fugir.
Chegou trajando aquela blusa meio azul/meio cinza, aquela calça larga, aquele sorriso imenso(a única coisa que não mudou), copo de cerveja numa mão, salgadinho na outra, teceu os comentários que achou necessário tecer. Entrou em assuntos que só quem tem muita intimidade entraria, me dissecou. Respondi o que devia, calei quando necessário e dissequei o que queria dele, e ele, como sempre, no ar misterioso (mentiroso) que lhe compete, respondeu todas as perguntas o oposto do que havia respondido para todas as outras pessoas. E então pegou minha cerveja, jogou fora como fazia antes (pois segundo ele estava quente), encheu de novo, me deu o salgado dele, agiu como se nada tivesse acontecido ou mudado entre nós dois.
E assim, se fez presente no meu ângulo de visão até o fim da noite. Fez questão de sentar na minha frente, fez questão de aparecer o suficiente para notar sua presença. Me deu carona para a outra parada da noite, morto de sono, não trocou uma palavra dentro do carro, o que me fez ter que conversar com o outro ocupante do veículo.
Ele morto, sem pique, velho, definitivamente velho, sentado a minha frente, sobrancelha desordenada, ajeitei como fazia, nem sei porque. Naquela determinada hora eu já não sabia mais o que fazer, como fazer ou porque fazer, na verdade ainda não sei porque fiz. Logo depois fui dar tchau para partir para a próxima parada da noite, o abracei como quem abraça um amigo, uma pessoa querida, a quem se tem um carinho incomum e minha boca maior que o universo falou o que talvez não devesse, o que na verdade não queria e mais ainda, o que na verdade nem sabe porque o falou.
Eu: - Tá com sono?
Ele: - Muito.
Eu: - Ia falar uma coisa, mas acho que não devo.
Ele: - Fala, poxa, pode falar.
Eu: - Te botava pra dormir hoje...
Ele riu alto. Muito alto.
Ele: - Foda... tou muito cansado, acordei cedão.
Eu: - Beleza. Tá me dispensando?
Ele: - Claro que não!
Eu: - Beleza, mas saiba que isso que aconteceu hoje nunca mais vai acontecer, vc não vai mais me comer.
Dei um beijo na bochecha e parti para o próximo evento.
Burra? Talvez. Boca maior do universo? Talvez. Mas o que falei foi tão sem sentimento, tão raso para mim, tão sem porque, tão sem vontade. Tão sem.
Me justifiquei para as amigas porque achei que tinha que ter justificativa, mas sabe, não tem. Eu só falei, fiz, e tipo, foda-se. Não romanceei. não pensei que ali estava A oportunidade da minha vida. Eu segui em frente e fiquei com outro em um outro lugar, fui me divertir, viver.
Eu mudei, constatei isso, não o amo mais, constatei também. Ele mudou mais aparentemente do que por dentro, e eu continuo sem saber quem ele é, continuo achando ele mentiroso, dissimulado, continuo sem saber se a verdade é a dita para mim ou para o mundo. E continuo com a sensação de que sou eu quem conheço ele melhor, melhor do que ele me conhece.
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